O indizível no atentado contra John Kennedy
por Rosa Pinho
Kennedy momentos antes de ser assassinado em Dallas
FOTO WALT CISCO/THE DALLAS MORNING NEWS
Há umas semanas, numa análise na televisão sobre a guerra na Ucrânia, o major general Carlos Branco interrogou-se sobre a influência que a campanha eleitoral para a presidência dos Estados Unidos teria naquela calamitosa guerra. O bem informado autor do livro "A Guerra nos Balcãs" "Jihadismo, Geopolítica e Desinformação." "Vivências de um Oficial do Exército Português ao Serviço da ONU" fez então uma alusão a um candidato concorrente às eleições primárias do Partido Democrata dos EUA, o Sr. Robert Kennedy Jr.
Leu-se agora que esse candidato, sobrinho do malogrado presidente dos EUA assassinado em Dallas em 22 de Novembro de 1963, interrogado em entrevista no dia 6 deste mês de Maio sobre o magnicídio de John Fitzgerald Kennedy (JFK), implicou uma organização estadual norte-americana no crime e remeteu os ouvintes para o livro de James W. Douglass, “JFK and the unspeakable” (“JFK e o indizível”) [1].
As condições em que foi assassinado o presidente dos EUA são um mistério há muitas décadas. A investigação oficial da Comissão Warren sobre o atentado não tem credibilidade, sendo rejeitada, segundo os inquéritos de opinião, por três em quatro americanos. Formularam-se várias teorias sobre o atentado.
Em Espanha, por exemplo, o escritor e jornalista Javier García Sánchez publicou o ensaio “Teoría de la conspiración. Deconstruyendo un magnicidio: Dallas 22/11/63” (2017) onde justifica a inverosimilhança do atirador solitário Lee Harvey Oswald. Concluiu que se tratou de um “golpe de Estado ao serviço do lóbi das armas e de setores da direita americana, ligado à guerra do Vietname e ao conflito com Cuba, com colaboração da CIA, do FBI e da Máfia”. “Nixon sabia que JFK não ia sair vivo de Dallas, porque até já tinham tentado uns meses antes em Chicago”, afirma o escritor, para quem também Lyndon Johnson, sucessor de Kennedy, terá estado envolvido no atentado. Oswald foi morto por Jack Ruby (“gerente de boates da noite, cujas relações com a mafia local e a CIA são conhecidas” – escreve James Douglass), com um disparo à queima-roupa, 48 horas depois do assassínio de JFK, “rodeado de 70 polícias”. Para García, o crime de Dallas insere-se numa série de assassínios e golpes de Estado que Washington terá patrocinado [2].
O realizador de cinema Oliver Stone dirigiu sobre o tema o filme “JFK” (1991). “Ao longo do filme é mostrado, por diversas vezes, o vídeo amador feito por Abraham Zapruder que mostra o presidente John F. Kennedy sendo atingido pelos tiros disparados contra ele” [3]. “Abraham Zapruder (1905-1970), proprietário de uma oficina de confeção de roupas femininas, “ao filmar a passagem de John F. Kennedy pela Dealey Plaza em Dallas, Texas, no dia 22 de novembro de 1963, acabou por registrar inesperadamente o assassinato do presidente estadunidense. O filme de Zapruder tornou-se célebre por ser o registro mais completo do crime.” [4]
O “Diário de Notícias” informava em 27 de outubro de 2017 que “O presidente Donald Trump autorizou a divulgação de 2800 dos cerca de 3100 documentos ainda em segredo relacionados com o assassínio de J. F. Kennedy em Dallas a 22 de novembro de 1963.” (…) “A pressão para estes [documentos] não serem divulgados terá partido da CIA e do FBI, agências na origem da maioria dos documentos que faltavam divulgar.” (…) “Vários elementos republicanos nas duas Câmaras do Congresso defenderam a necessidade, "após 54 anos, que os factos relativos à morte de JFK não sejam totalmente conhecidos do público", disse Walter B. Jones, ao apresentar no início do mês de outubro na Câmara dos Representantes uma proposta legislativa a autorizar a publicação sem restrições dos 3100 documentos.” [5]
O jornal digital espanhol “Público” divulgava em 03/11/2017 que “os documentos recém-desclassificados sobre o assassinato do Presidente norte-americano J. F. Kennedy revelam muitos dos planos da CIA contra Cuba.” (…) Um dos documentos desclassificados na totalidade, explica que a CIA planeou sabotar a produção agrícola cubana “mediante a introdução de agentes biológicos que pareçam ser de origem natural”. “Em Janeiro de 1977, The Washington Post publicou as confissões de um agente da CIA que participou na operação de introduzir a febre porcina na ilha”. “'A joia da coroa' destes documentos é a possível vinculação aos serviços de inteligência dos EUA do único assassino detido após o atentado contra JFK. O ex-militar norte-americano Lee H. Oswald visitou a embaixada de Cuba no México solicitando visto pouco antes do magnicídio. Se se confirma que era agente da CIA ficaria em evidência o intento de vincular Havana aos disparos de Dallas.” (…) “Num dos documentos desclassificados revela-se que os membros da Comissão Warren, que investigava o assassinato, preguntaram ao subdiretor da CIA, David Bellin, se Lee Harvey Oswald era um agente dessa agência de inteligência. A pergunta fica sem resposta porque está escrita noutros documentos que permanecerão escondidos da opinião pública um quarto de século mais.” [6].
Recorde-se que “a 17 de abril de 1961, depois de uma série de ataques e atentados de forças contrarrevolucionárias armadas pelos EUA nos meses anteriores, 1500 cubanos treinados pela CIA invadiram a ilha, na operação que ficou conhecida pelo nome de “Baía dos Porcos”. O desembarque foi precedido de bombardeamentos de aviões norte-americanos pintados com as cores da força aérea cubana. Junto às praias, centenas de milicianos cubanos, comandados por Fidel Castro, esperavam os invasores. A maioria dos expedicionários da CIA foram capturados ou mortos. O executivo de Kennedy, depois de exposto o seu envolvimento em termos internacionais, recuou em atacar diretamente a ilha com o exército norte-americano” [7]. O presidente Kennedy teria sido decisivo ao opor-se ao envolvimento militar direto norte-americano no apoio aos invasores da Baía dos Porcos solicitado por entidades influentes. “A 3 de fevereiro de 1962, o presidente norte-americano Kennedy ordena o bloqueio económico à ilha que se mantém até aos dias de hoje”, faz agora 61 anos.
Lembremos que o irmão de JFK, Robert Kennedy, foi assassinado por sua vez a 5 de junho de 1968 no hotel Ambassador, em Los Angeles. O crime foi atribuído a “Sirhan Sirhan, então com 24 anos, que viria a alegar mais tarde que não se recordava do que acontecera naquela noite, pois estaria drogado. No entanto, durante o seu julgamento, em 1969, confessou o crime. Foi condenado à morte e, ao recorrer da sentença, voltou a negar ter sido o autor dos disparos. Uma das perguntas que nunca teve resposta poderia ter-lhe dado a liberdade: porque se ouvem 13 tiros nas gravações daquele momento se a pistola de Sirhan só tinha capacidade para oito balas? A dúvida não foi considerada suficientemente forte pelo tribunal. Contudo, como a Califórnia aboliu a pena capital em 1972, a sentença de Sirhan foi alterada para prisão perpétua.” Robert Kennedy, ex-Procurador-Geral dos EUA e irmão mais novo do malogrado JFK, acabara de vencer as primárias democratas, e anunciara a sua candidatura à Presidência dos EUA com um discurso que ficaria para a história: "Martin Luther King foi assassinado, assim como meu irmão. E cabe a nós, os que ficámos, lutar pela causa pela qual eles sacrificaram suas vidas: a justiça e a igualdade entre os homens." [8]
Voltemos ao livro de James W. Douglass, “JFK e o indizível”. Ao procurar o livro na Bertrand encontraram-se vários livros do autor em inglês mas não o procurado. Na FNAC foi encontrada apenas a versão em inglês "JFK and the unspeakable" "Why He Died and Why It Matters", (Ref. ISBN 9781439193884), Touchstone Books, edição de 2010. Na editora de livros digitais Kobo.com encontrou-se a versão em inglês à qual leitores atribuíram a classificação máxima (5 estrelas) e a correspondente versão em francês "JFK & l'indicible" (Éditions Demi-Lune, 2013). Acedendo à amostra do e-book observámos entre vários elogios ao livro, o do realizador do filme “JFK”, Oliver Stone: “A melhor exposição que li sobre esta tragédia e suas consequências (…) Mas não acreditem em palavras: leiam este livro extraordinário e tirem vós próprios as conclusões.”
No prefácio datado de 29 de Julho de 2007, James W. Douglass, informa que graças aos trabalhos de numerosos investigadores, ao testemunho de centenas de pessoas e à desclassificação de uma grande quantidade de documentos em 1992, a verdade pode ser conhecida assim como as motivações do crime. O objetivo do livro é dizer porquê o presidente Kennedy foi eliminado. Kennedy, segundo o autor, tinha-se desviado da retórica da guerra fria para se comprometer com a via da paz procurando o diálogo com o inimigo para se alcançar o desarmamento. “Foi assassinado por um poder que não podemos nomear, nem descrever precisamente. A existência desse poder, indizível, pode ser demonstrada, apreendida, e meditada.” “Um dos objetivos do livro é descrever o percurso de Kennedy e a sua mutação em favor da paz”. “As forças que ele combateu estão continuamente aí e mais do que nunca ativas, hoje. A guerra fria deu lugar à «guerra contra o terror» (…) e hoje como ontem o inimigo é apresentado como o mal absoluto.” “Ataques preventivos, mudanças de governos, assassinatos, prisões arbitrárias, tortura – todos os meios são bons para «preservar» pretensamente a nossa segurança.” “As nossas reticências em reconhecer a realidade sobre a morte de JFK enraízam-se no receio do que ela implica. Mas se não tivermos vontade de nos confrontarmos com a realidade, quais são as possibilidades de nos libertarmos da ideologia belicista dominante?”
John Kennedy e Nikita Khrushchev em Viena, 1961.
<https://pt.wikipedia.org/wiki/John_F._Kennedy>
Na introdução do livro, o “escritor, militante pacifista e teólogo católico americano” James W. Douglass recorda a crise dos misseis soviéticos em Cuba no ano de 1962 – agora frequentemente evocada a propósito da guerra na Ucrânia –, em que o mundo esteve à beira de uma guerra nuclear e na qual Kennedy resistiu às pressões que o incitavam a ordenar um ataque preventivo. Perante o perigo de guerra nuclear o autor cita o “escritor católico, monge trapista, poeta, ativista social e estudioso de religiões comparadas” Thomas Merton (1915-1968) que escreveu qualquer coisa como: “Não vos julgais melhores que os rotineiros comandantes de campos da morte nazis porque queimais amigos e inimigos com mísseis de longo alcance sem que nunca vísseis o que fizestes”. “John F. Kennedy teve um percurso inacabado e contraditório para a paz. Fazendo-o – como sucedeu também com Malcom X, Martin Luther King e Robert Kennedy – entrou em conflito mortal com o indizível.”
Aquando do atentado mortal contra John Kennedy, os EUA estavam envolvidos, como é sabido, diretamente na guerra do Vietname – que se tornou a guerra mais longa do século XX e só terminaria com a queda de Saigão em 30 de Abril de 1975. A amostra do livro digital de James W. Douglass inclui uma Cronologia da qual queremos destacar apenas as seguintes ocorrências:
Dia 21 de novembro de 1963, na véspera de ser assassinado, antes de partir no seu voo para o Texas, e depois de ter tomado conhecimento das últimas baixas americanas na guerra do Vietname, Kennedy confiou a Malcolm Kildduff, assistente de imprensa na Casa Branca: «No meu regresso do Texas, isto vai mudar. O Vietname não merece nem mais uma vida americana».
Dia 23 de novembro de 1963, no dia seguinte ao assassinato, durante a tarde, o recém-empossado presidente Lyndon Baines Johnson encontra o embaixador Lodge, de regresso ao Vietname, e diz-lhe: «Eu não perderei o Vietname. Não serei o presidente que verá o Sudeste da Ásia seguir o exemplo da China».
Mas o melhor, podendo, será lermos o livro.
Notas:
[1] Rede Voltaire, 16 de Maio de 2023, <https://www.voltairenet.org/article219310.html>
[2] Cf. Pedro Cordeiro, “JFK, mais uma vez (e sempre...)”, "Expresso", 08.04.2017 às 23h00, <http://expresso.sapo.pt/cultura/2017-04-08-JFK-mais-uma-vez--e-sempre.->
[3] JFK (filme) (<https://pt.wikipedia.org/wiki/JFK_(filme)>
[4] <https://pt.wikipedia.org/wiki/Abraham_Zapruder>
[5] “Trump mantem em segredo 300 documentos sobre assassínio de J. F. Kennedy”, "DN", 27 de outubro de 2017 00:02,
<https://www.dn.pt/mundo/interior/trump-mantem-em-segredo-300-documentos-sobre-assassinio-de-jf-kennedy-8875676.html>
[6] Fernando Ravsberg, “La investigación del asesinato de Kennedy revela planes de la CIA contra Cuba. Uno de los documentos, desclasificados en su totalidad, explica que la CIA planeó sabotear la producción agrícola cubana “mediante la introducción de agentes biológicos que parezcan ser de origen natural” ”, “Público”, 03/11/2017, <http://www.publico.es/internacional/investigacion-asesinato-kennedy-revela-planes-cia-cuba.html>
[7] Nuno Ramos de Almeida, "David contra Golias", Jornal "i", 4 de dezembro 2016, <http://sol.sapo.pt/artigo/537333/david-contra-golias->
[8] Patrícia Fonseca, “50 anos depois subsiste a dúvida: quem matou Bob Kennedy?”, “Visão”, 06.06.2018, <http://visao.sapo.pt/actualidade/mundo/2018-06-06-50-anos-depois-subsiste-a-duvida-quem-matou-Bob-Kennedy->